Bem-estar animal e aumento da renda: você sabe a diferença entre a produção de ovos de galinhas livres de gaiolas e a tradicional?

Bem-estar animal e aumento da renda: você sabe a diferença entre a produção de ovos de galinhas livres de gaiolas e a tradicional?

Fotos: Nathália Schneider (Diário)

O médico veterinário Luiz Bier na granja Vó Naná

Em uma granja, no Distrito de Passo do Verde, em Santa Maria, galinhas vivem uma vida pacata, e com um detalhe: as aves são livres de gaiolas (normalmente usadas para a produção de ovos). Pois é, parece a premissa do filme A Fuga das Galinhas, só que não é nada disso. Os animais do local fazem parte do projeto “Ovos Coloniais de Galinhas Livres de Gaiolas da Região Central”, vinculado à PoliFeira do Agricultor, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). O objetivo é proporcionar para produtores rurais uma renda extra, estimular o desenvolvimento e abastecimento de ovos locais, além de pensar no bem-estar animal.  


De acordo com dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimentos (Mapa), a estimativa é de que 5%da produção de ovos no país seja oriunda de sistemas alternativos (como livres de gaiolas, orgânicos, entre outros) e 95% da produção em gaiolas convencionais. As aves poedeiras do sistema da indústria, ou convencional, ficam, geralmente, entre mais de seis aves dentro de uma gaiola. Além disso, é utilizada, na maioria das vezes, o processo da debicagem (corte parcial e cauterização das pontas superior e inferior do bico de galinhas poedeiras).


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O coordenador do projeto, Róberson Macedo de Oliveira, 41 anos, explica que o sistema livres de gaiolas, com acesso ao piquete, ou seja, a área externa, é para as aves expressarem os comportamentos naturais da espécie, como ciscar, empoleirar-se e tomar banho de terra. Práticas que não são possíveis no sistema convencional.  


Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a produção brasileira de ovos de galinha atingiu 1,02 bilhão de dúzias no 1º trimestre de 2023, alta de 2,6% em relação ao mesmo período de 2022. Por isso, hoje, no Dia da Avicultura, 28 de agosto, – data criada para valorizar o crescimento do setor no Brasil –, a reportagem visitou a granja Vó Naná para entender como é feita a produção de ovos de galinhas livres de gaiolas, e separou sete curiosidades sobre o projeto. 


Experiência da Granja Vó Naná  

Há três anos, a granja Vó Naná, propriedade do médico veterinário Luiz Adolfo Bier Netoparticipa do projeto. Antes de conhecer a iniciativa, Luiz pensava em realizar alguma atividade própria na área. A primeira vez que conheceu o “Ovos Coloniais de Galinhas Livres de Gaiolas da Região Central” foi por meio do professor de Zootecnia do Colégio Politécnico, Gustavo Pinto da Silva. Logo depois, já embarcou como produtor no projeto. 


Mais de 97% dos ovos que chegam para o consumidor em Santa Maria vem de fora da cidade. Vi no projeto potencial para a circulação de ovos. As galinhas livres de gaiolas, com acesso ao piquete (ao ar livre), são muito mais felizes. Existe uma tendência mundial que a galinha saia da gaiola – relata Luiz.


O médico veterinário iniciou do zero a produção nesse sistema. Depois de construir o galpão, passou a ter mil aves. Três anos depois, a produção fez sucesso e ele viu potencial para aumentar o número. Hoje, a granja tem 2.500 galinhas, que produzem 2.200 ovos por dia. O local trabalha no sistema de delivery, ou seja, elas produzem os ovos em um dia e no outro já é feita a entrega para o consumidor. Além disso, a marca “Vó Naná” é uma homenagem à avó materna, a Nair.


Construção da própria Casa do Ovo 

Até chegar nessa fase do sistema de delivery, levou um tempo. Antes, Luiz levava os ovos para o Entreposto do Colégio Politécnico, onde é feita a limpeza da produção e a verificação de todos os cuidados sanitários para fazer a comercialização. Um dos objetivos do projeto é fazer os produtores rurais conseguirem criar a própria “Casa do Ovo”, já conquistada por Luiz.

 

Na entrada do galpão, é preciso fazer a descontaminação dos calçados, e do lado da porta que dá acesso às aves está o entreposto da granja Vó Naná. Os gerentes de produção Jader Prado, 38 anos, e Elisiane Cavalheiro, 36 anos, dividem-se nas tarefas. Um deles fica na área suja da Casa do Ovo, para fazer a limpeza correta, de acordo com as normas de biosseguridade, e o outro na área limpa, para o colocar o produto na bandeja, que tem o rótulo diferenciado dos ovos produzidos em sistema convencional. 



Banho de terra e poleiro 

Por causa da Gripe Aviária, desde abril, segundo medida do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimentos (MAPA), o Brasil decidiu suspender as feiras de aves de todas as espécies e também a soltura de aves criadas em sistemas que precisam do acesso ao piquete. Por isso, Luiz decidiu construir uma parte cercada no piquete com acesso ao galpão, para as aves poderem ter contato com o ar livre, sol e tomar o famoso banho de terra, que ajuda a manter as penas em ótimas condições. A construção foi aprovada pelos órgãos de vigilância sanitária.     


– Mesmo sem acesso total ao piquete, as galinhas conseguem ter condições para buscar na natureza o que precisam, alguns minerais, plantas, insetos, que são fontes de proteína e energia para elas. Tudo isso, faz com que as galinhas produzam ovos bem mais ricos em nutrientes, importantes para a saúde do ser humano também.  


Luiz conta que as aves recebem ração de acordo com as orientações de um nutricionista, além de comerem aquilo que é produzido na propriedade, como o milho. As galinhas, nesse sistema, podem expressar mais os comportamentos naturais, como dormir em poleiros – um hábito que adoram fazer –, porque para elas significa ter um local seguro, longe de predadores; e bicar quem entra no galpão, mas, de forma amigável. Além da avicultura, é produzido também milho, ovinocultura e pecuária de corte na propriedade.


– Produzimos, aproximadamente, mais de 60 mil ovos mensalmente. No futuro pretendemos aumentar. No momento, trabalhamos com vários supermercados de Santa Maria, algumas padarias e também o delivery. Minha ideia é trabalhar mais com delivery. O meu objetivo principal é que o consumidor receba os ovos frescos, produzidos no dia anterior, e receba direto na sua casa – reforça Luiz. 

Curiosidades do projeto

1 – Como surgiu o projeto?

O projeto começou em 2019, em parceria com a prefeitura de Santa Maria. Entre os objetivos estão fomentar a economia local, incentivar a segurança alimentar e uma produção ligada à sustentabilidade e ao bem-estar animal. Conforme o professor de Zootecnia do Colégio Politécnico Gustavo Pinto da Silva, 45 anos, ex-coordenador do projeto, comenta que esse sistema aviário possibilita a Região Central não depender apenas de ovos que venham de outras regiões do Estado.


–   O que encontramos nos supermercados aqui na região são marcas que vêm da Serra Gaúcha, do Vale do Caí e da Região Metropolitana. Então, o projeto nasce dessa forma, preparar o produtor, registrar ele, legalizar a produção. Além disso, em 2020, criamos o Entreposto de Ovos no Politécnico para fazer a inspeção sanitária dos ovos. Os nossos grupos de bolsistas também ajudaram a elaborar um rótulo, para diferenciar o produto quando chega no mercado e na feira – explica Gustavo.


Para o professor, a grande finalidade é educativa. O intuito é formar os produtores rurais e instruir para uma forma diferente de compreender seu sistema de produção. 


O atual coordenador do projeto, Róberson Macedo de Oliveira, 41 anos, comenta que com o auxílio do projeto, o produtor pode sair da comercialização informal e acessar mercados formais, como vender para a merenda escolar, por exemplo. Como é o caso do agricultor Leandro Dunke, 48 anos, que trabalha em uma granja em Dilermando de Aguiar. A propriedade conta com 200 galinhas, e o produtor conta que a saída dos ovos produzidos com ajuda do projeto é bem grande. A granja participa também da PoliFeira do Agricultor, e comercializa a produção de ovos para a merenda escolar em Santa Maria. 


2 – O que é um entreposto de ovos?

O sistema livre de gaiolas com acesso ao piquete requer vários tipos de regulamentação sanitária. A propriedade precisa ser registrada na inspetoria veterinária, necessita de cerca ao redor do limite permitido e precisa de um controle de aves e de roedores para conter a entrada deles na barreira sanitária, já que podem transmitir doenças. 


Os ovos não podem ser lavados, devido à retirada da película sanitária natural. Por isso, no Colégio Politécnico, foi criado um Entreposto de Ovos, registrado no serviço de inspeção do município. O professor Gustavo explica que após a limpeza, passa pelo serviço da ovoscopia, onde é verificado se há alguma rachadura na casca do ovo:

   

– A ideia é fazer com que esses produtores não fiquem a vida inteira trazendo os ovos para o nosso entreposto. Nós já temos alguns produtores que passaram por aqui, aprenderam e depois disso estão com um entreposto nas suas propriedades. É um projeto que estimula o criar um arranjo produtivo mais territorial e local.


Processo de ovoscopia do produto

3 – O grande diferencial de galinhas livres de gaiolas para  outros sistemas

Existem vários sistemas de criação de galinhas poedeiras: 

  • Criadas em gaiolas – às vezes com 12 aves por gaiola. Nesse sistema, na maioria das vezes, ocorre a debicagem. Por que é realizada essa prática? Quando os animais são confinados, fatores do ambiente – como a luminosidade, a nutrição e o espaço pequeno –  influenciam o comportamento natural e geram um aumento de estresse. Assim ocorre o canibalismo entre as aves e por consequência, a morte de várias delas. A debicagem evitaria que isso acontecesse. Na criação de galinhas livres de gaiolas, não há esse risco.
  • Cage freecriadas soltas, mas em locais fechados. Possui algumas regulamentações nas questões envolvendo o espaço e a alimentação. Também proíbe a debicagem, no entanto é permitido o uso de vacinas e de antibióticos
  • Livres de gaiolas (free range e orgânico) – a galinha possui acesso ao piquete (área externa).


As diferenças entre essas duas últimas nomenclaturas é decorrente da alimentação e do espaço. No free range, além da ração, as galinhas comem pasto da área externa. No orgânico, a parte nutricional já é mais restrita, sem transgênicos e sem corante na ração. É preciso ter no mínimo 70% da dieta oriunda de produção orgânica.

  

– Para nós, no projeto, acaba sendo um pouco mais difícil estimular a produção de ovos orgânicos. Hoje, os produtos orgânicos, como milho, são mais interessantes vender para fazer farinha, do que usar para fazer ração animal. Então, a gente não estimula essa questão, existe a possibilidade, mas sabemos que não é fácil. Fora esse aspecto, tem uma legislação orgânica, que no projeto conseguimos prever, que é seis aves por metro quadrado – comenta o atual coordenador Róberson Macedo de Oliveira. 

4 – Alimentação precisa ser balanceada 

No projeto, a ração comercial é utilizada, mas precisa ser balanceada. Por isso, o coordenador afirma que o participante é estimulado a usar outras fontes de alimento, geralmente as que são produzidas na própria localidade. Por exemplo, pode ser usada na alimentação de aves, abóbora, milho, couve, entre outras opções.

 

– Para as aves produzirem ovos todos os dias é preciso de uma nutrição adequada. E também de um ambiente adequado, o grande diferencial do sistema é caminhar muito mais para o lado do bem-estar animal, para que ao longo da sua vida elas tenham um ambiente adequado a produzir – ressalta Róberson. 


Caso o animal tenha alguma enfermidade, é estimulado o uso de tratamentos alternativos, como a homeopatia (medicamentos naturais de origem vegetal, animal ou mineral) e a fitoterapia, uma prática à base de plantas usada no tratamento e prevenção de doenças, auxiliando na imunidade. Claro, é usado apenas se o animal apresenta algum problema de saúde, mas sempre precisa de um atendimento veterinário.  


5 – Ovos de galinhas criadas no sistema livre de gaiolas

Os ovos produzidos têm características nutricionais diferentes dos gerados pela chamada ‘indústria dos ovos’. De acordo com informações da Certified Humane Brasil, galinhas criadas ao ar livre geram ovos com maior teor de vitamina D, maior teor de proteínas, duas vezes mais vitamina E, duas vezes mais Ômega 3, 38% mais de vitamina A, 15% mais de energia vital (termo relacionado com a saúde e o bem-estar), apresentam maior resistência à penetração de salmonella e têm a cor marcante da gema. 


Contudo, a coloração da gema não indica qual o sistema de criação do animal, porque na indústria dos ovos são utilizados pigmentos sintéticos na ração para deixar a cor mais intensa. O coordenador do projeto afirma que no sistema convencional é possível usar insumos que elevam determinados nutrientes nos ovos. 


6 – Desafios do sistema livres de gaiolas 

Atualmente, são dois produtores que levam os ovos para o Entreposto do Colégio Politécnico. Ao todo, já passaram mais de oito agricultores pelo local. Segundo o atual coordenador, no curto período de existência do projeto, já passaram mais de 70 mil ovos pelo entreposto do Colégio. 


Apesar do projeto ter vários objetivos que valorizem o bem-estar animal e estimulem uma renda extra para o produtor, Róberson entende que para integrar o sistema tem vários desafios: o produtor precisa construir o local adequado para as aves, comprar os animais, ter o cuidado necessário na criação e na comercialização. Além disso, o preço de uma dúzia de ovos de galinhas livres de gaiolas é em torno de R$ 10 a R$ 15.


– A produção de ovo convencional também cumpre um papel econômico e social, porque tem muitas famílias que não conseguem adquirir um produto com um valor mais alto. Por isso, o ovo do sistema do projeto é um nicho de compradores que conseguem financeiramente acessar o produto.  


Onde encontrar os ovos de galinhas livres de gaiolas

  • Supermercado Bella Vista
  • Supermercado Royal
  • Supermercado Ideal de Camobi, de Perpétuo Socorro e de Venâncio Aires
  • Diário Conveniências
  • Supermercado Tria
  • Supermercado Bertagnolli
  • Três lojas da Rede Copetti – Serafim Valandro, Borges de Medeiros e Sete de Setembro 
  •  Padaria Kipão
  • Padaria Belinazzo
  • Padaria Felipão 
  • Algumas bancas de feirantes da PoliFeira



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